Profissionais precisam lidar com a violência durante rotina diária
Hoje, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) completa 18 anos de existência salvando vidas no Brasil. São quase duas décadas enfrentando com toda garra e coragem a violência urbana e os riscos do cotidiano, como o ocorrido na madrugada do último sábado (15), quando a base em Salvador, localizada na Boca do Rio, foi invadida e depredada por um grupo de pessoas que chegou ao local ‘solicitando’ atendimento a uma pessoa com uma lesão de pancada na cabeça, acidente ocorrido na Baixa Fria.
Essa realidade, infelizmente, faz parte do cotidiano desses trabalhadores: cerca de 150 médicos, mais de 300 condutores e 300 técnicos que estão na labuta diária percorrendo os bairros soteropolitanos, adentrando regiões onde existem conflitos armados e guerras de facções.
Segundo o médico e coordenador do SAMU, Ivan Paiva a invasão à base da Boca do Rio não deixou feridos, mas demonstra a necessidade da população compreender o funcionamento do SAMU. Não adianta, por exemplo, chegar ordenando atendimento quando é fundamental uma triagem até mesmo para definir o encaminhamento do paciente. “Temos 72 ambulâncias, 50 não tem médico dentro. Por isso tem necessidade de ligar para central, para que o médico que esteja lá possa orientar como proceder, dizer para onde se deve levar, qual medicamento tomar, se é necessário uma compressão para diminuir sangramento, enfim, para que possamos dar orientações”, explica Paiva.
Trabalhar no SAMU não é para todos: é preciso também preparo psicológico para lidar com situações das mais diversas, inclusive, onde pacientes são retirados da ambulância para serem assassinados por rivais. Caso similar ocorreu no dia 2 de Julho, quando uma ambulância foi interceptada em frente ao Hospital Teresa de Lisieux, no Itaigara, e homens armados retiraram o paciente para assassiná-lo a tiros.
Equipe de profissionais percorre toda parte da cidade | Foto: Romildo de Jesus
No Subúrbio Ferroviário, lembra o coordenador do SAMU, paciente e acompanhante foram mortos dentro da ambulância por bandidos. “É uma profissão difícil, e muita gente não consegue permanecer. Essas situações causam trauma psicológico, mas buscamos apoio, temos práticas integrativas. Tem gente que pede para sair. É uma atividade difícil, mas tem coisas que são inerentes da profissão. Não podemos ter policial que tem medo de encarar bandido, nem bombeiro que tem medo de fogo”, comenta Paiva.
A violência urbana torna o trabalho do SAMU ainda mais dificultoso. Adentrar determinados bairros são verdadeiros desafios para toda a equipe da ambulância. Mas apesar dos riscos, os profissionais não se eximem da ética com a qual se comprometeram no serviço: salvar vidas e ajudar a população em situações de emergência.
O coordenador do SAMU explica, por exemplo, que em determinados momentos, quando está acontecendo conflitos entre facções em determinados bairros, a orientação é só entrar no local com o apoio da Polícia. “Para você ter ideia, temos dois profissionais do SAMU que trabalham na base do COE para dar apoio e para fazer essa integração”, diz.
Segundo Paiva, o SAMU não compactua com a ideia de não entrar em bairros por serem perigosos, justamente para não estigmatizá-los, tendo em vista que neles também vivem pessoas honestas e distantes da criminalidade. No entanto, existem situações em que é necessário uma análise mais cautelosa. “Procuramos não estigmatizar. Tem bairros que tem perfil de violência mais aguda, mas também tem trabalhadores. Se essas pessoas passam mal, fazem o que? Quando não adentramos um bairro, com certeza é por uma questão momentânea”, destaca.
O SAMU enfrenta um desafio diário no Brasil que urge também do apoio da população. “Quando existe uma frequência de ambulâncias abordadas por homens armados, nós buscamos acionar os conselhos e associações locais, explicar a situação para que consigamos um entendimento entre todas as partes de que nossa função é essencial para a comunidade”, ressalta Ivan Paiva.
Fonte: Tribuna da Bahia