Um projeto de instituições privadas em hospitais públicos brasileiros tem conseguido reduzir em mais da metade as taxas de mortalidade materna com treinamento de equipes, adoção de protocolos e mudanças de fluxos assistenciais.
Lançado em 2017, o projeto “Todas as mães importam” é fruto de uma parceria entre o Hospital Albert Einstein (SP), a farmacêutica MSD e gestores públicos. Desde então, foi implantado em 33 hospitais e unidades de saúde de estados como Pernambuco, Pará, Rondônia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Mais de 18 mil gestantes foram acompanhadas, e mais de 1.600 profissionais treinados.
A iniciativa ganha importância em um contexto de alta das mortes maternas por causas evitáveis, como hemorragia, hipertensão que leva à pré-eclâmpsia, e infecção generalizada. Em 2021, último ano com dados oficiais fechados, o país registrou uma RMM (Razão da Mortalidade Materna) de 117,4 óbitos por 100 mil nascidos vivos, um aumento de 57% em relação a 2020. A alta foi impulsionada pela pandemia de Covid-19.
A ideia do projeto surgiu a partir de duas iniciativas prévias, a MSD Para Mães, que a multinacional farmacêutica criou em 2011 e que atua globalmente, e o programa Parto Adequado, desenvolvido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, o Einstein e o Institute for Healthcare Improvement, com o apoio do Ministério da Saúde, que visava reduzir os índices de cesárea no Brasil.
Segundo Mary-Ann Etiebet, líder global do programa MSD for Mothers, ele se apoia em três pilares: treinamento de profissionais para a identificação precoce do risco obstétrico até o acompanhamento no pós-parto, implementação de programas para melhorar a capacidade de gestão das instituições e ampliar o acesso aos cuidados médicos e conscientização da população em geral.
Atualmente, o projeto está na terceira fase, em seis hospitais e oito unidades de atenção primária à saúde de Salvador e Feira de Santana, na Bahia. Entre agosto de 2021 e fevereiro de 2023, a queda da taxa de mortes maternas por causas diretas nessas instituições foi de 59%.
Na primeira fase, no Hospital Agamenon Magalhães, em Recife (PE), a redução das mortes foi de 54,6% no período de um ano. Na etapa seguinte, a iniciativa envolveu 19 hospitais públicos de sete estados, com uma queda de 57% da mortalidade materna em dois anos.
No Hospital Estadual da Criança, de Feira de Santana, a redução da mortalidade materna entre 2021 até o início de 2023 foi de 72%, mais do que dobro da meta inicial, que era de 30%, segundo Larissa Paiva, coordenadora de enfermagem da obstetrícia.
Ela conta que, a partir das reuniões e das trocas com os técnicos do projeto, a equipe observou que precisava organizar melhor os processos assistenciais.
“Começamos com os escores de alerta [a partir de parâmetros como pressão arterial, frequência respiratória e temperatura] que preveem uma deteriorização precoce da gestante, e a gente consegue entrar com intervenções antes que ela se agrave”, afirma.
Além disso, foram criados kits com medicamentos e outros insumos específicos para cada tipo de complicação obstétrica, que ficam nos setores que vão receber a gestante. “Temos a caixa de hipertensão, da hemorragia pós-parto, da sepse. O uso desses kits faz com a gente atenda essa gestante o mais rápido possível.”
Antes, segundo Paiva, não havia essa separação, e a equipe buscava a medicação nos carrinhos de emergência ou nas farmácias satélites do hospital, o que aumentava o tempo dispensado na assistência da paciente.
Paiva conta que, a partir do projeto, o hospital também passou a dialogar com os gestores de 71 municípios, para os quais a instituição é a referência em partos de alto risco, ajudando na capacitação dos profissionais.
“No Brasil a gente tem um ‘gap’ no pré-natal, especialmente da gestante de alto risco. Ou elas não tem um acompanhamento ideal por uma equipe médica e de enfermagem, não recebem todas as orientações sobre o risco, ou elas abandonam, não vão em todas as consultas”, afirma Claudia Garcia de Barros, diretora-executiva do Escritório de Excelência Einstein.
Além da atualização de protocolos, padronização dos cuidados, capacitação de profissionais das maternidades, o projeto estendeu esse trabalho também para profissionais da atenção primária e do Samu, que fazem o transporte da mulher até um hospital.
“A gente vê ainda práticas assistenciais tanto de enfermeiros quanto de médicos um pouco desatualizadas”, diz Lívia Pedrillo, consultora de qualidade e segurança do paciente do Einstein.
Claudia Barros conta que há dificuldade de a enfermagem tomar uma decisão sem que o médico esteja presente. “Quando a gente redesenha as práticas e capacita toda a equipe multidisciplinar, inclusive o médico, ele passa a entender que algumas questões, como iniciar o processo da coleta das informações para identificar o escore de risco da gestante, pode ser feita por qualquer um da equipe.”
Barros diz que o maior esforço do projeto tem sido a revisão desses processos e fazer com que os profissionais entendam que determinadas práticas que aprenderam na sua formação não são necessariamente as melhores.
O projeto também propõe uma revisão do mapa das salas dos hospitais para a adequação do fluxo das pacientes. Por exemplo, ainda é comum a gestante chegar em um pronto-socorro lotado e não haver um fluxo definido que priorize o seu atendimento.
“Muitos hospitais são antigos, foram feitos puxadinhos. Muitas vezes a gestante se perde em meio a outras complicações e gravidades, com pessoas com parada cardíaca. Essas questões consomem tempo, e tempo, é vida”, diz Claudia Barros.