Esse é um dos serviços mais utilizados em esquemas de fraude; operadoras têm encontrado até bancos digitais irregulares para os pedidos de ressarcimento
As operadoras de saúde decidiram endurecer as regras para o reembolso de consultas, já que essa é uma das principais ferramentas usadas para esquemas fraudulentos. De olho nisso, muitos planos passaram a solicitar aos beneficiários o comprovante de pagamento da consulta ou do procedimento. Só que já surgiram novos métodos para burlar a regra: clínicas têm se associado a bancos digitais irregulares, sem aprovação do Banco Central (BC). Assim, as operadoras intensificaram a caçada antifraude.
O esquema funciona, em geral, da seguinte forma: as clínicas médicas ou os laboratórios solicitam aos pacientes seus dados pessoais e de acesso ao aplicativo do plano de saúde. Com a posse dos dados, abrem uma conta em um banco digital criado pela empresa ou parceiro dela. Assim, a prestadora de serviços de saúde emite documentos como se a consulta já tivesse ocorrido e o dinheiro é enviado da conta bancária (criada em nome do paciente no banco irregular) para a conta da clínica, gerando um comprovante de pagamento. O reembolso é, então, solicitado pelo preço máximo da tabela contratual de cada beneficiário. Apenas depois que o reembolso foi aprovado e pago, a clínica realmente realiza a consulta ou os exames.
Bianca Andreassa, advogada especialista em Direito Médico e Hospitalar e sócia do Villemor Amaral Advogados, avalia que a criação de falsos bancos por clínicas ou a associação a esses agentes financeiros acontece para “dar uma cara de maior legalidade” às fraudes, sem precisar que o dinheiro saia de uma conta bancária diretamente ligada ao estabelecimento médico ou aos seus sócios, além de facilitar o rastreio do dinheiro do reembolso pelas clínicas. Em alguns casos, os pacientes nem mesmo sabiam que haviam contas em seus nomes nas financeiras utilizadas.
“É como se o paciente pegasse um empréstimo com o banco para fazer os procedimentos médicos, o que não seria ilegal. O problema é que as mesmas pessoas que te prescrevem [o exame ou tratamento] são aquelas que vão te ‘emprestar’ o dinheiro”, explica. “A ilicitude está no fato de o prestador participar, mesmo que não oficialmente, dessa operação, o que, conjugado com a prática do reembolso assistido, dá a esse prestador um cheque em branco”.
A advogada explica ainda que o movimento da fraude vai escalonando e ficando mais rebuscado conforme o fraudador tenta se livrar dos obstáculos que as operadoras estabelecem.
Algumas dessas associações de clínicas médicas e laboratórios com instituições financeiras irregulares foram descobertas pelas operadoras devido a repetidas solicitações de reembolso, sempre com valores altos e por meio das mesmas instituições financeiras. Cruzando as informações, percebeu-se que alguns dados das prestadoras de serviços – como o endereço de registro, telefone ou nome dos sócios – eram os mesmos dos bancos utilizados para solicitar o reembolso.
Sinais suspeitos
Em uma ação movida pela SulAmérica contra um grupo de saúde (composto por uma clínica médica e um laboratório) e um suposto banco, a operadora diz que identificou um número incomum de solicitações de reembolso de valores elevados relacionados a consultas e exames laboratoriais com supostos comprovantes de pagamento de transações intermediadas por um mesmo banco.
“Após apurações realizadas, constatou-se que as primeiras rés (clínica e laboratório) contam com os mesmos sócios e mantêm identidade de interesses escusos com o terceiro réu (suposto banco). Além disso, apesar de declararem sede em endereços diversos, estão instaladas em um mesmo local, para facilitar a prática das irregularidades, e o número de telefone informado no cartão de CNPJ é o mesmo”, alega a SulAmérica no documento, citando que apesar de se autointitular como banco, a instituição está cadastrada como empresa de tecnologia da informação, e atua de forma clandestina, sem autorização do BC.
Neste caso, a SulAmérica acionou o Ministério Público Federal, por envolver possível crime contra o Sistema Financeiro Nacional.
Fonte: Tribuna da Bahia