Febre maculosa: a estratégia inusitada de cientistas para criar vacina contra ‘doença do carrapato’

Tradicionalmente, as vacinas são pensadas para prevenir infecções causadas por vírus, bactérias e protozoários. Mas pesquisadores brasileiros testam uma estratégia diferente contra a febre maculosa: um grupo do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo) está desenvolvendo um imunizante para animais capaz de eliminar os carrapatos transmissores dessa doença.

Recapitulando: a febre maculosa é uma infecção grave e potencialmente fatal relacionada a algumas bactérias do gênero Rickettsia. Elas invadem o corpo humano e afetam as paredes dos vasos sanguíneos, provocando hemorragias e gangrena.

Esses micro-organismos são transmitidos principalmente por carrapatos-estrela (Amblyomma sculptum), que também afetam outros animais como capivaras, gambás, cavalos, bois e cachorros.

Mas como essa candidata à vacina funciona? E quando ela deve ficar pronta?

A IDENTIFICAÇÃO

 

O grupo de pesquisas coordenado pela bióloga Andrea Fogaça, professora associada do Departamento de Parasitologia do ICB-USP, identificou uma proteína no carrapato-estrela que virou alvo de um potencial imunizante.

Conhecida pela sigla IAP, essa proteína do artrópode é capaz de inibir um processo conhecido como apoptose, que é a morte programada das células.

“E isso é fundamental para garantir a sobrevivência do carrapato enquanto ele se alimenta do sangue do hospedeiro”, detalha Fogaça.

Mas e se fosse possível desativar ou interferir na IAP? Foi justamente isso o que os pesquisadores fizeram no laboratório.

“Quando nós reduzimos o nível dessa proteína no organismo dos carrapatos, eles passaram a apresentar uma alta taxa de mortalidade”, descreve a especialista.

Segundo as pesquisas publicadas até o momento, a abordagem permitiu eliminar 92% dos artrópodes.

“Esse trabalho nos mostrou que a IAP é um alvo promissor para o desenvolvimento de uma futura vacina”, complementa ela.

As capivaras são um dos animais afetados pelo carrapato-estrela e poderiam se beneficiar de um esquema de vacinação – Getty Images via BBC

PRÓXIMOS PASSOS

Com os primeiros testes positivos, o time do ICB-USP deve iniciar em breve os estudos com modelos animais.

“Nós estamos projetando peptídeos, ou seja, pedacinhos dessa proteína, para imunizar os coelhos em laboratório. Daí vamos conferir se essas cobaias produzirão anticorpos suficientes para inibir os carrapatos”, detalha Fogaça.

A bióloga reforça que a candidata à vacina contra a febre maculosa ainda está nos estágios iniciais, e é preciso aguardar os resultados das pesquisas que estão em andamento – portanto, ainda não existe um prazo para finalizar todo esse trabalho.

A boa notícia é que o desenvolvimento de imunizantes para uso veterinário envolve menos etapas – o que pode acelerar a transição do projeto entre a bancada do laboratório e a disponibilização comercial das doses.

“Nós acreditamos que, ao controlar a quantidade dos artrópodes no ambiente, poderemos diminuir o número de picadas de carrapatos em animais ou nos seres humanos e, com isso, reduzir o número de casos da doença”, responde Fogaça.

Outra questão: por que o candidato à imunizante é pensado para animais, e não para as pessoas?

A bióloga lembra que seres humanos são hospedeiros acidentais do carrapato-estrela e da bactéria que ele eventualmente carrega – o “caminho” natural dessa doença não depende da gente.

“O carrapato-estrela consegue manter seu ciclo de vida independentemente do homem ao circular por capivaras, gambás e outras espécies”, diz ela.

Proteger esses animais, portanto, seria uma maneira de diminuir a população de artrópodes na natureza – e, assim, resguardar indiretamente os indivíduos que porventura passarem pelas zonas de mata onde ele é mais comum.

Fonte: Agência Brasil

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